porto alegre
Alguns dias antes da água, recebi a mensagem de um aluno da FABICO, a Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foi lá que me formei em publicidade e é lá que ele também estuda jornalismo. Inspirado pela produção de uma reportagem sobre um tema semelhante ao que investiguei no meu trabalho de conclusão de curso, ele me procurou para perguntar se eu poderia contribuir como fonte para a matéria em curso. Fiquei surpresa e, ao mesmo tempo, feliz com o contato. Disse que sim, ajudaria como pudesse. Ficamos de combinar uma conversa na próxima semana.
Ainda antes da água, fui atrás do meu TCC. Olhar de novo para tudo aquilo que escrevi pela primeira vez depois de cinco anos. Já que aceitei ajudar, acho que é bom relembrar algumas coisas, pensei. Descobri que não tinha o arquivo salvo nos meus backups. Ri de mim mesma. Como posso não ter salvado o arquivo. Então abri o Lume, o repositório digital de trabalhos acadêmicos da universidade, e baixei a versão final apresentada e aprovada.
Fui descendo por todas as páginas bobas do início até chegar na primeira que realmente interessa. Quando li a frase de abertura dos meus agradecimentos, um susto. Eu já não lembrava o que havia escrito. Achei bonito. Achei que eu tivesse saído correndo, mas parece deu tempo de olhar para trás e sorrir com carinho antes de seguir andando.
Em todas as vezes que visitei Porto Alegre depois de ter ido embora, ela parecia não fazer mais sentido. Existia um descompasso. Eu já não era mais a pessoa que fui quando vivi ali. E que bom que tudo cresce e se transforma e deixa de fazer sentido.
Tenho apenas algumas saudades de Porto Alegre. Tenho saudade do horizonte enquadrado pela Casa de Cultura Mário Quintana. Saudade de ser vizinha do meu amigo Karlos, com quem tantas vezes cruzei por acidente na feira ou no supermercado ou para tomar um café nos domingos. Saudade do viaduto da Borges de Medeiros que guardou teatro, vista para o rio, samba, vista para o bairro e um Homem-Aranha dançante.
Tenho saudade do Bira, meu amigo mais antigo e colorado de todos. Saudade do restaurante perto de casa em que sempre pedi o mesmo sabor de pizza e onde beijei todas as minhas paixões com a boca tingida pelo roxo do vinho. Saudade do pixo que me encarava todos os dias na Avenida Osvaldo Aranha para dizer que sem eu ou sem você a cidade está deserta.
Tenho algumas saudades de Porto Alegre. Mas pisar lá é outra coisa. Caminhar pelas ruas já não tem mais o mesmo gosto, o mesmo cheiro. Quando se é alguém que vai embora, alguém que decide escolher um novo lugar para chamar de seu, você descobre que cada cidade tem um jeito diferente de fazer o vento soprar no rosto.
Ficamos de combinar uma conversa na próxima semana, eu e o estudante que me contatou alguns dias antes.
E então a água chegou. Uma água também diferente. Uma água maior. Enorme, mesmo olhando de longe.
E então a água chegou. Uma água também diferente. Uma água maior. Enorme, mesmo olhando de longe.
Olhar de longe é mais difícil. Mais fácil. Mais difícil de novo. Depois mais fácil mais uma vez.
De longe dá pra dizer que amanhã vai ter pôr do sol. Porque, vez ou outra, sempre tem. A vida se impõe. O pôr do sol é laranja e sempre bonito.