Olga
EXTERIOR. DIA. Escadas tomadas por uma multidão vermelha no retângulo central que recebe encontros de almas vivas penadas que brilham no céu os anjos em pose no chão o barulho dos passos dos pulos da dança o H parou no tempo enquanto o compasso segue vibrando ecoa nas empenas também tão retangulares que cercam o retângulo de repente palmas para a criança perdida depois encontrada sob um jardim suspenso ao alcance do olhar tomando distância avista-se: DRAMA os toldos balançam em concordância era uma terça-feira de carnaval em frente ao Theatro Municipal quando trrrreeec Olga avança o filme aponta a câmera e clic num flash o registro de um abraço está dado com o enlace o copo cheio de cerveja que parece gelada paira no ar não derrama mas chama a atenção dos olhos que já enxergam por eles mesmos de novo e não mais através da lente trrrreeec é naquele momento olhando ao redor que ela percebe que ama ao contrário de todo o resto o entardecer sempre chega devagar nesta cidade sem laranja que invade apenas uma camada espessa de amarelo claro tomando conta do horizonte clic num flash o registro de um abraço está dado com o enlace o copo cheio de cerveja que parece gelada paira no ar não derrama mas se mistura aos fios de cabelo outrora espalhados pela casa visíveis no chão branco demais na cama confortável demais no box molhado demais no paletó alinhado demais demais demais sempre foi demais entre os dois até que trrrreeec Olga se distrai com a cidade mas se pergunta será que me perdi de novo dentro da minha própria cabeça ao se dar conta que tem sentido coisas tão grandes e como é possível essas coisas muito grandes caberem em alguém tão pequena porque ela se sabe uma mulher grande mas também é preciso considerar a concretude das coisas e na concretude das coisas Olga tem um corpo pequeno a altura na média alguns ossos salientes como são bonitas as clavículas clic num flash o registro de um abraço está dado com o enlace o copo cheio de cerveja que parece gelada paira no ar não derrama mas sacode como a vida às vezes sacode aquilo que está posto e a partir de então não está mais posto foi colocado em outro lugar que não mais o peito quente um do outro em que ambos costumavam morar a casa agora vazia assombrada por aquilo que foi por aquilo que foram juntos em outro tempo outra velocidade no obturador e trrrreeec o filme avança outra vez na cabeça de Olga de onde vem essa vontade de ser outra essa certeza de que tem buraco que foi feito para ser buraco da caverna do tatu mas tem buraco que foi feito para ser preenchido de alegria de paixão do que vier e nada mais vem aqui isso tudo não me cabe mais isso nada não me cabe mais um clic num flash o registro de um abraço está dado com o enlace o copo cheio de cerveja que já não parece gelada paira no ar não derrama mas a espuma vai se desfazendo como essa relação se desfez aos poucos naturalmente de maneira quase imperceptível a gente só nota quando se concentra quando sente o gosto diferente uma outra textura invadindo a boca um amargo que se impõe porque trrrreeec não é possível deixar de lado esse desejo de rasgar as bordas flertar com o impulso botar fogo nesse apartamento ela bem que tentou e talvez seja mesmo como dizem ninguém muda até que seja muito difícil não mudar aquele caixote preto gigante parado treme treme segue tremendo faz com que Olga escute Gal cantando e sinta queimar em si um ponto final existe uma certa paz em tudo aquilo que acaba afinal como se conta uma história sem fim aquilo que é eterno não deixa memórias memória é passado ou presente memória é ficção clic é naquele momento que Olga percebe que ama mais a si mesma e é preciso saber ir embora e ela vai correr mundo correr perigo e pouco importam todos os registros todas as fotos clicadas enquanto abraçava a única pessoa verdadeiramente importante tentando não derramar a cerveja do copo,