HISTÓRIA DE QUASE AMOR
PARTE i
PARTE i
O João foi um desses acidentes de percurso meio coincidência meio era óbvio que ia acontecer um dia.
A gente se conhecia mas não se conhecia já há algum tempo, tendo amigos em comum e frequentando lugares parecidos.
Um desses lugares era a rua. Isso, uma rua mesmo. O João trabalhava a duas quadras do prédio onde eu trabalhava na época, então a gente sempre se encontrava na rua. Às vezes na hora do almoço, outras vezes no cafézinho da tarde na padaria ou até no fim do expediente.
E sempre que nossos olhares se cruzavam sem querer por aí, eu e ele nos cumprimentávamos e abríamos um sorriso meio sem querer também. Virou quase um hábito do destino. Em uma das várias vezes em que o acaso se repetiu, ele me chamou de onipresente. Nesse dia, o sorriso que eu abri foi um pouco maior. Vai ver eu fosse boa mesmo em estar sempre onde ele estava também, mas eu juro que não era planejado.
. . .
O que também não planejei foi a mensagem que mandei para ele depois de olha-só-quem-diria-mais-uma-vez-que-nos-vimos-sem-querer-de-novo. Nem lembro o que pensei na hora, só sei que chamei ele para sair. E João aceitou. Então, finalmente, a gente se encontrou de propósito.
Como o tudo-nada que tinha acontecido antes, o encontro não teve planos definidos com antecedência. A gente combinou de se achar na rua — mais uma vez — e resolver onde iríamos para tomar uma cerveja ou comer alguma coisa. Depois de caminhar e argumentar sobre que lugar escolheríamos por uns bons vinte minutos, chegamos num barzinho nada incrível, mas bonitinho. Ali ficamos por um tempo que não lembro quanto, conversando sobre coisas que também lembro quais. Foi bom. Mas tudo ficou mais divertido no último gole, que veio acompanhado de um convite para ir até a casa dele.
A promessa era mais conforto, gatos e vinho — que o João não sabia na época, mas me faz mais feliz do que cerveja. E já que promessa é dívida, uma coisa que ele sabia era pagar passando no débito.
Saímos do bar e fomos andando até o apartamento. A sala era espaçosa e arejada, com uns quadros na parede e uma mesa de jantar. Como combinado, fui recepcionada por dois gatos que, por alguma peripécia da memória, ainda sei os nomes. Tirei o sapato e me joguei no sofá. Enquanto o João providenciava o tal vinho que me prometeu, fiquei reparando em tudo e percebi uma caixa enorme de discos ali no chão, meio despretensiosa.
Quando finalmente a taça chegou na minha mão, ele teve a brilhante ideia de colocar um deles pra tocar. E aí não sei se fui vítima de uma tática recorrente de sedução ou se foi uma ideia genuína. O fato é que essa foi a primeira vez que eu ouvi um vinil tocando. E descobri que é bonito mesmo. O som é mais profundo, mais grave, talvez. Tudo isso que dizem por aí e às vezes a gente não dá bola. Mas esse não é o ponto.
O que interessa é que o João fez uma escolha um tanto peculiar. O disco que ele colocou para tocar foi o Melhor do Que Parece, d’O Terno. E eu amo esse disco. O engraçado é que ele me fazia pensar em outro. Outro homem, no caso. Não outro disco.
Guardei essa informação para mim e a gente continuou a conversa. E continuou o vinho. Até que a conversa se misturou com o gosto do vinho e virou beijo. E o beijo virou confusão de pernas e roupa no chão. Primeiro no sofá. Depois, na cama. Enquanto a música tocava e outras coisas se tocavam também, tinha um não-João na minha cabeça. Desculpa qualquer coisa. Já dizia a letra.
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Quando acordamos no outro dia de manhã, eu e ele fizemos o mesmo caminho da noite anterior. O caminho que passava na frente do meu trabalho, e depois do dele. A vida às vezes gosta de rir do que acontece na rua.
Por um tempo, a gente ainda seguiu se encontrando. Não mais de propósito.