c'mon c'mon e o futuro do presente
Eu sou uma pessoa muito agarrada ao presente. Zero planos e coisas como onde me vejo daqui a cinco ou dez anos. Não sei, não quero saber e tenho preguiça de quem sabe. O que, para mim, é pior que a raiva.
Mesmo assim, percebi que tenho pensado muito sobre futuro ultimamente. Mais do que futuro, tenho pensado muito sobre legado: o que fica de mim no mundo, o que fica de mim nas pessoas ao meu redor. E aqui não quero parecer mórbida nem nada nesse sentido. É mais sobre pulsão de vida do que qualquer outra coisa, por mais que a ideia de finitude me traga uma certa paz.
É com essa mistura de angústia e emoção com a vida que entrei em uma sala de cinema meses atrás pra assistir a C'mon C'mon (Sempre em Frente, 2022), filme dirigido por Mike Mills e protagonizado por Joaquin Phoenix e Woody Norman.
Como de costume, foi uma decisão de última hora e sem muita pesquisa prévia. Olhei a programação do meu cinema favorito, li a sinopse e escolhi uma poltrona lá no alto. A promessa era a história de um jornalista que precisa cuidar do sobrinho enquanto viaja a trabalho pelos Estados Unidos. O apagar das luzes veio acompanhado de uma curiosidade despretensiosa, sem grandes expectativas. E é aí que a surpresa se impõe.
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C’mon C’mon é um filme sobre a vida acontecendo, sobre o ordinário. Para além disso, é um filme sobre construção. Construção de uma relação entre tio e sobrinho, construção de uma nova relação entre esposa e ex-marido. Construção da ausência e do saber lidar com os próprios sentimentos. Construção de uma reportagem, documentário ou seja lá o que for que o protagonista produz enquanto viaja pelo país entrevistando crianças e adolescentes. Construção de futuro por essas mesmas crianças e adolescentes.
Tem muita coisa em cena ao longo de C’mon C’mon. E é incrível como nada vira bagunça. Enquanto Johnny e Jesse — personagens vividos por Phoenix e Norman — perambulavam por praias, parques, casas de estranhos e pelas ruas de Nova York, tantos e tantos pensamentos me arrebataram.
Olhar com atenção e carinho para a infância e tratar os jovens como os cidadãos que verdadeiramente são é um deles. Em tempos de discursos absurdos, como a discussão sobre a possibilidade de odiar crianças, e de movimentos mais absurdos ainda, como o excludente “Childfree”, é quase um alívio acompanhar uma narrativa em que os personagens ouvem uns aos outros, ensinando e aprendendo ao mesmo tempo, apesar das diferenças de idade e compreensão do mundo.
Em um certo momento do filme, Viv, a mãe de Jesse, comenta que um ano é muito tempo para uma criança. Eu diria que para nós, os adultos, também. Assim como as crianças, a vida muda o tempo todo. Talvez por isso a gente se agarre nas memórias ou naquilo que fica. Esse emaranhado de desespero e sustentação que é sentir possível a escolha do que se quer ser em meio à certeza de que a gente não se desfaz daquilo que fizeram de nós.
No equilíbrio entre o agora e o amanhã, C’mon C’mon nos mostra que o mais bonito do futuro é poder imaginar. E que quando a gente se perde, esquece ou não se dá conta, algo sempre fica no outro para que a história seja contada. Ou recontada. Para que ela ganhe vida como legado.
Jesse e Johnny também nos lembram que tudo bem precisar gritar de vez em quando — nada pode ser mais humano do que isso. Muitas vezes, o grito vem de um lugar desconhecido, também em construção.
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Levei muito tempo para entender por que C’ mon C’mon me emocionou tanto. Descobri que a resposta era quase óbvia. Johnny e Jesse escolhem desbravar o mundo de mãos dadas. E se eu pudesse descrever a maior cena de amor de todos os tempos, ela seria assim. Duas pessoas, de mãos dadas, desbravando o mundo. Talvez o maior legado que alguém possa deixar seja esse, afinal. O que amou e como amou. É melhor amar do que ser feliz, diria a licença poética.
Não tenho ideia do que vai ficar de mim no mundo. Por enquanto, fica o apreço pela possibilidade. Fica esse texto, entre tantos outros espalhados por aí. Fica o meu coração saindo pela boca ou tomando emprestado a ponta dos dedos.